CARTA ABERTA À CONGREGAÇÃO DO NAEA E À SOCIEDADE
A atual conjuntura no país é de destruição dos direitos sociais e trabalhistas, a partir de Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) que subtraem da população garantias históricas, a exemplo da PEC 55 corrente no senado. Essa proposta, aprovada pela Câmara Federal sob a forma de PEC 241, prevê o desmonte e a violação de cláusulas pétreas e princípios da constituição federal, sobretudo os que dizem respeito aos investimentos diretos da União em políticas sociais.
A “PEC da maldade” pretende congelar os investimentos em políticas sociais por 20 anos e marca claramente a ditadura Temer e a recriação de um Estado totalitário, favorecidos por um processo de “judicialização” que sequestra gradativamente direitos da sociedade brasileira, não por meio de armas como em 1937, com a implementação do regime do Estado Novo ou, em 1964, com o golpe militar que subtraiu a soberania popular e democrática por mais de mais de 20 anos. O autoritarismo de “agora” renova-se com a força do capital financeiro, tecnológico e informacional-midiático, cujas forças de mobilização convergiram no impeachment da presidenta eleita, Dilma Roussef, por motivações político-partidárias e interesses econômicos, sem comprovação efetiva de crimes de responsabilidade.
Esta conjuntura caótica mobilizou milhares de estudantes do país, do nível básico à pós-graduação, assim como técnicos, professores e pesquisadores que viram nas linhas dessa emenda a impossibilidade de viver numa estrutura educacional sem condições e garantias mínimas para a realização de suas atividades, projetos sociais, culturais e científicos.
Diante desse quadro tirânico é que nós, estudantes dos diferentes programas vinculados ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), decidimos na tarde da última segunda-feira, dia 14 de novembro, em assembleia geral discente: (1) Ocupar o NAEA; (2) paralisar as nossas atividades acadêmicas; e 3) suspender o calendário de aulas e seleções (Mestrado e Doutorado). Com esses encaminhamentos, nós aderimos ao movimento que toma corpo por todo o Brasil, partindo das escolas secundárias aos institutos federais e várias universidades do país, até chegar à Universidade Federal do Pará, em seus campi do interior e da capital.
Pretendemos com isso manifestar a nossa solidariedade aos movimentos de estudantes, docentes, técnico-administrativos, indígenas e trabalhadores urbanos e rurais que combatem neste momento a PEC-55, a “PEC da destruição”.
Acreditamos que nossa posição converge com o reconhecimento do Naea como espaço de referência na formação acadêmica de planejadores regionais e em pesquisa crítica sobre os modelos de desenvolvimento na Amazônia. Muitas vezes capitaneados pelo próprio Estado, esses modelos autoritários impõem a violência e a negação de direitos, genocídios, a invasão de territórios pelo grande capital e a desterritorialização de populações tradicionais, o reforço às desigualdades regionais, o aumento da exclusão e da desagregação social, assim como da destruição ambiental.
Junto com os técnicos do Naea, que já deliberaram pela greve e pela ocupação, nós também conclamamos os professores (as) a se posicionarem conosco, tanto institucional e publicamente junto aos conselhos da universidade, como, na prática da ocupação, a reafirmarmos juntos uma posição pública e republicana contra a PEC-55.
Em comunhão e solidariedade com os outros programas de pós-gradução, nós conclamamos os estudantes contrários às ocupações a superarmos os interesses individuais para agirmos coletivamente na defesa da educação como bem comum, dos direitos sociais e trabalhistas, a confrontarmos as estruturas de dominação presentes num modelo de educação que transforma o ensino em mercadoria, que conforma as nossas mentalidades a uma lógica de aprendizado passivo, acrítico, acovardado diante das desigualdades e injustiças cotidianas.
Nós acreditamos que, neste momento, a ocupação representa uma importante forma de subverter as rotinas alienantes e de assimilação a uma ordem autoritária, que tende a ser favorecida pela imposição de calendários e de um tempo contrário aos encontros, à reflexão livre, ao debate aberto, assim como aos afetos e aos laços sociais.
Também defendemos a ocupação como forma de luta, de inversão de prioridades e de reapropriação desse nosso espaço de trabalho e de aprendizado como uma oportunidade de conexão com a sociedade e de relembrar ao país a importância da universidade pública como espaço central na vida da cidade e da região, especialmente nesse contexto de ameaças de direitos, de educação empresariada, de privatização dos espaços públicos e dos direitos sociais.
De forma coletiva e aberta, buscaremos criar programações e formas de aproximação com as comunidades do entorno e externas à universidade, dialogando com a sociedade sobre as ameaças impostas à educação pública e aos direitos sociais do povo brasileiro, notadamente dos mais pobres. Entendemos que, diante da gravidade de tais ameaças, essa é a forma mais adequada de valorizar a experiência acumulada pelo Naea em dar voz e vez aos excluídos, permitindo a dissolução das barreiras que separam a universidade dos cidadãos.
Conhecendo os riscos, optamos pela esperança, pela solidariedade, pela capacidade de ir ao encontro dos que agora resistem de forma corajosa, acreditando na capacidade coletiva de acabar com a inércia, de confrontar as formas de violência e de defender a universidade como um lugar em que o sonho de mudar o mundo seja também valorizado como pilar do processo de ensino e de aprendizado, de pesquisa e de extensão.
Por último, saudamos a memória do professor Jean Hébette, por sua história de luta, dentro e fora das universidades, junto a movimentos sociais contra as estruturas e agentes de destruição socioambiental. Em sua homenagem e em acordo com a nota publicada pelo Naea diante de seu falecimento na última semana, assumimos que os nossos lugares, dentro e fora da universidade, são também onde possamos produzir conhecimento para lutar e resistir contra a subordinação dos povos.
Belém, 15 de novembro de 2016.
Assinam esta carta:
Discentes do
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu (PPLSP)
Programa de Pós-Graguação em Gestão Pública (PPGGP)
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU)
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