O CURSINHO POPULAR (R)EXISTÊNCIA NA INCLUSÃO SÓCIO-EDUCACIONAL DA POPULAÇÃO TRANS E MORADOR@S DA PERIFERIA NO ENSINO SUPERIOR

13/05/2016 13:30

ALANNA SOUTO

 

As elucubrações que seguem dizem a respeito da minha perspectiva e meu olhar enquanto colaboradora do cursinho popular (R) existência por meio da formação que ocorrerá amanhã, dia 14, a partir das 10h. Reflexões que foram feitas partir das questões levantadas pela jornalista Ádria Azevedo para uma matéria sobre o cursinho popular no Pará diversidade.

Começo a reflexão lembrando de como chegou a ideia do cursinho até a mim.  A princípio, quando a Lívia Noronha ( Profa. de filosofia), levou-me a ideia do cursinho popular que estava sendo pensada por ela e mais duas outras amigas dela, também professoras, eu me empolguei para fazer parte do quadro de professores, contudo, na minha atual conjuntura em que estou, digamos assim, virando para a reta final da tese de doutoramento ficou extremamente difícil em me comprometer com a carga horária das aulas que ocorrerão aos sábados, sobretudo, porque ainda tenho que dar conta das minhas turmas na UEPA, atualmente, estou lotada no Curso de História e de Pedagogia da referida universidade. Sem contar outros projetos que colaboro, além do meu próprio blog Semeadura (www.semeadura.com ) que busco alimentar com artigos/contos/crônicas autorais sobre umbanda e outras identidades diversas, especialmente, a identidade afro-amazônica e de visibilidade lésbica, seguindo o norte da minha orientação sexual. Nesse aspecto busco visibilizar a identidade sexual por meio da literatura e do debate político com objetivo do combater todo tipo de preconceito e violência homofóbica.

Todavia, faço parte do coletivo do cursinho popular, enquanto membro colaborador, estive nas reuniões de fundação do coletivo, participei da busca pelo espaço, que seria a princípio no Casarão Flora Amazônico, aonde atualmente se realiza diversas ações sociais, incluindo, os treinos do grupo de capoeira de Angola do Mestre Bira Marajó , aliás foi a partir daí que a minha querida colega de trabalho e amiga Lívia se espertou e divulgou a ideia no facebook dela, como boa cyberativista que é, contudo por alguns impasses com o atual responsável pelo Casarão, infelizmente não pode ser lá o cursinho. Em compensação a sincronia cósmica pela realização do projeto presenteou o coletivo com um outro espaço maravilhoso que dialoga e luta pelas mesmas causas que estamos abraçando que é o Instituto Nangetu de tradição afro-religiosa e desenvolvimento social.

E como torço e intuitivamente sinto que o cursinho popular (R)Existência terá vida longo, certamente, irei me engajar para atuar mais ativamente neste coletivo educacional depois dessa fase de doutoramento, quem sabe, deixemos nas mãos do Tempo...

A minha participação enquanto formadora visa fortalecer o debate de eixos centrais que devem ser fortalecidos no conteúdo da área ciências humanas e suas tecnologias que será ministrado pelos professores do cursinho popular (R)existência os quais visam dar uma perspectiva mais inclusiva e cidadã para esses alunos que se preparão para os processos seletivos de ingressos nas universidades, especialmente, no que diz respeito as relações de gênero, classe, étnico-racial e sexualidade. Tendo em vista que se trata de um público/ alunado específico advindo de toda uma dinâmica e trajetória de exclusão social e fragilidade educacional, justamente, reflexo do sistema capital que ainda vive resquícios de uma sociedades escravagista e de castas, a lembrar, o que bem investigou Octavio Ianni, a dificuldade de mobilidade socioeconômico e de acesso à educação em que o negro pobre enfrenta em ascender na sociedade. Não obstante que o debate do preconceito racial não deve ser reduzido ao preconceito de classe, mesmo porque estudos feitos por Florestan Fernandes, Roger Bastide e outros pesquisadores que mergulharam no debate da questão racial demonstraram que na fábrica, operários do mesmo setor se discriminavam segundo sua etnia, por exemplo. Daí, a importância do debate étnico-racial aliado com as discussões de gênero e classe para um entendimento mais complexo do processo de formação da sociedade brasileira e por conseguinte da sociedade amazônica.

Na formação dos professores do cursinho que se realizará neste sábado estarei contribuindo no debate étnico-racial dentro da perspectiva de construção de uma cartografia etno-histórica amazônica, tema da minha tese de doutorado em desenvolvimento, e dos parâmetros do projeto da Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), coordenado  pelos  pesquisadores  Alfredo  Wagner ( UEA) e Rosa Elizabeth Acevedo Marin (NAEA/UFPA) , o qual visa buscar entender de que forma as  populações tradicionais, indígenas, remanescentes de quilombolas, povos de terreiro e diferentes representações de minorais articulam suas territorialidades  na  Amazônia,  levando em  consideração a formação da identidade sociocultural e espacial dessas populações por meio de suas auto cartografias.  Diga-se passagem, o PNCSA foi questão do ENEM de 2015.

Penso também que a iniciativa deste coletivo é de fundamental importância para o empoderamento social desses jovens dentro da dinâmica sócio educacional, fortalecendo não somente o saber técnico-científico, mas também suas identidades e autoestima para o viver numa sociedade desigual e, mais ainda, para o enfrentamento em disputar, ou melhor, conquistar uma vaga numa universidade pública. E para além disso, que essa juventude negra, cabocla, afro-amazônica chegue consciente do seu papel, direitos e deveres dentro da universidade, atuando como agentes transformadores nesse outro estágio que é o ensino superior.

Não obstante a relevância do cursinho popular para inclusão social de gênero, afinal, o processo discriminatório, de preconceito e acessibilidade socioeconômica e educacional será ainda mais impactante para mulheres negras, caboclas, moradoras da periferia, além da população transgêneros e travestis os quais, segundo indicadores essa população trans, concentra 82% de evasão escolar no país, justamente, por conta que a evasão ocorre pela não aceitação e pela falta de política pública inclusiva, levando esse público abandonar a escola e por faltas de alternativas se direcione para a prostituição, trabalhos informais, clandestinos e desemprego. Ou seja, o preconceito e exclusão são gritantes. Sem contar que as práticas docentes nas escolas públicas e até mesmo nas privadas não contemplam essa discussão.

O cursinho popular (R)existência fará diferença, ainda, na conjuntura educacional amazônica, pois se alicerçará, creio numa metodologia interdisciplinar e dialógica inspirada nas perspectivas educacionais libertárias de Paulo Freire, de modo, que os educadores das diversas áreas de conhecimentos não somente dialogue de forma integrada com os eixos programáticos estabelecidos pelo ENEM, mas também que essa equipe pedagógica problematize esses conteúdos para com a realidade em que estão inseridos seus alunos e assim os ensine a ler criticamente o mundo, a sua região e seu país, e quiçá, essa juventude bem preparada, consciente e empoderada de suas identidades étnicos-raciais, de gênero, de classe e sexualidade revire a nação brasileira da posição em que se encontra atualmente, de cabeça para baixo diante de um golpe de estado , rompendo amarras, libertadores de si e da sociedade.

 

ARANAUAM

SARAVÁ