REFLEXÕES SOBRE "SAIR DO ARMÁRIO"

09/09/2012 18:06

Parei num determinado momento do dia a refletir sobre a expressão ‘sair do armário’, termo recorrente e reconhecido no campo da sexualidade e das lutas pela liberdade sexual a partir do final dos anos de 1960 e até os dias de hoje para aqueles que assumem sua identidade sexual [sejam homo, lésbica, bi, transexuais e assim por diante]. Contudo, vejo a expressão num âmbito mais plural, sobretudo, concernente a tudo que envolve o indivíduo e o reconhecimento de suas múltiplas identidades, em especial aqueles atuantes no campo consciente perante a sociedade.

 

Sendo assim, partindo ainda do campo da sexualidade, se você é gay ou bi numa família conservadora, seja ela originária de uma classe mais abastarda ou de parcas condições socioeconômicas, o ato de assumir essas identidades sexuais, sem dúvida, algumas serão conflitantes e, quem sabe, podendo chegar a extremos de violência física ou moral. Caso seja dependente dos seus pais podendo sofrer cortes econômicos ou mesmo ser expulso de casa. Se diante desse quadro você superar todos essas adversidades seguindo adiante vivenciando sua sexualidade livremente, assumindo-a não somente pra si, mas também para todos aqueles que o cercam de forma digna e respeitosa, as chances de ser uma pessoa bem mais ‘resolvida’ serão maiores do que muitas que vivem as mesmas experiências às escondidas ou daquelas que morrem de vontade vivê-las. Isso é um fato.

 

Agora adentrando numa seara mais religiosa, a qual é o ponto central dessa reflexão, percebemos que a lógica do raciocínio acima se repete! Só que com algumas nuances a mais... Refiro-me aqui basicamente aos umbandistas, afro-religiosos ou, até mesmo, os seguidores do Islã, em tempos de terrorismo, muitos tendem a generalizar acusando todos os mulçumanos de terroristas, o que é uma injustiça para com aqueles que lutam pela paz no Oriente médio...

 

Mas enfim, irei me deter aqui a Umbanda. Ser umbandista ou mesmo afro-religioso num País onde cerca de 70% da população declara-se católica, apesar de sabermos que para esse caso os números maquiam as práticas sincréticas, é sinônimo de preconceito e discriminação, mesmo por pessoas mais esclarecidas ou espiritualistas, ditos progressistas, a exemplo dos cabalistas e dos kardecista, ainda veem a umbanda com maus olhos, seja pela visão enviesada no próprio preconceito que se tem por tudo aquilo que perpassa a africanidade, no caso, o culto aos orixás e pretos velhos, muito embora a umbanda seja uma religião universalista e genuinamente brasileira, dialogando com entidades de variadas linhas espirituais, seja de origem africana, xamânica, esotérica, dentre outras, o mesmo prejulgamento se dá devido ao desconhecimento sobre a ritualística umbandista.

 

Nesse sentido assumir-se umbandista, independente de classe social, terá que enfrentar todo esse tipo de preconceito e distorções. No caso de pertencer a um meio social elitizado e conservador, onde as aparências são pautadas como ordem do dia e, ser seguidor dessas religiões é ser visto com asco pelos ‘seus’, o processo de se assumir umbandista ou ‘sair do armário’, ainda sim, será um ato de conflito, de persistência e de luta pelo respeito de sua opção religiosa. Caso contrário, viverá a margem, a espreita, vivenciando o ‘santo’ entre quatro paredes de seu templo e no mundo aqui fora fingindo ser qualquer coisa menos umbandista. Daí, fazemos o seguinte questionamento: Não assumir o ‘santo’, escondê-lo dos seus, omiti-lo por medo do enfretamento, não seria tão ‘doloroso’ para o ‘santo’ quanto se seus pais naturais ou de criação tivessem vergonha de lhe reconhecer como filho diante sua rede familiar e social?!

 

É claro que devemos levar em consideração o tempo de cada um em assumir suas identidades, sejam elas sexuais, profissionais, políticas, culturais ou religiosas. “Ninguém é igual a ninguém”, a importância da alteridade encontra-se justamente nesse aspecto, no respeito pelas diferenças e pela diversidade.

 

Não podemos obrigar ninguém, portanto, assim penso, a se assumir seja lá o que for, podemos sim questionar, inquirir sobre se é isso o que realmente se quer... Não obstante, o tempo do ‘santo’ é bem diferente do tempo da matéria, afinal, a espiritualidade é um ‘casamento’ entre o ‘santo’ e o ser em desenvolvimento. Às vezes, assumir a covardia pode ser também um ato de coragem. Provocações à parte! Com isso, está aberto o debate.

 

Saravá!

Alanna Souto

Belém, 16 de abril de 2012.

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